17/07/2024

Enfrentando as consequências da Lei do Marco Temporal, povo Tabajara reivindica conclusão da demarcação de TI 2u4t60

Procedimento se arrasta desde 2010. Pressões sobre retomadas e aldeias aumentaram desde a Lei do Marco Temporal 2g2027

Cacique Carlinhos Tabajara em retomada de área depredada por empreendimento imobiliário. Foto: Glória Santos/Cimi Regional Nordeste

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Nordeste

Durante a 20a edição do Acampamento Terra Livre (ATL), no último mês de abril, o cacique Ednaldo Tabajara chegou a Brasília, partindo do município Conde, na Paraíba, para enfrentar a Lei 14701/23, a chamada Lei do Marco do Temporal, cujas determinações controversas à Constituição Federal são usadas “para promover um genocídio com a não demarcação de terras indígenas”, diz.

Para o cacique, fortalecer os protestos contra o que os povos indígenas chamam de ‘Lei do Genocídio’, com ações diretas de inconstitucionalidade em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), é parte da luta travada pelo seu povo pela conclusão do procedimento demarcatório da Terra Indígena, que vem se arrastando desde 2010. O povo Tabajara, a partir de 2006, iniciou o processo de reconhecimento étnico, como parte dos chamados ‘povos resistentes’, de maneira concomitante à retomada do território tradicional.

De acordo com documentos históricos, transcritos em memorial do Ministério Público Federal (MPF), os Tabajara reivindicam terras tradicionais incorporadas pela colonização à Sesmaria da Jacoca. Após aliança com os portugueses nas guerras coloniais, os Tabajara receberam da Coroa Lusitana lotes na Aldeia Jacoca. Com o ar do tempo, o povo sofreu uma gama variada de violências e suas terras foram esbulhadas, invadidas e roubadas.

Aos remanescentes, a luta do povo se conecta à história de resistência liderada pelos caciques Piragibe, Tabira, Araken, Assento de os, Arcoverde. História registrada em diversos acervos, assim como estudos antropológicos recentes delineiam a ocupação tradicional do território em processo de demarcação iniciado em 2009. “Nossa história não começa em 1988 e sempre estivemos em nossa terra, mesmo que calados por força maior”, conta o cacique Ednaldo.

Os Tabajara estão organizados em quatro aldeias: Aldeia Vitória, na Mata da Chica; Aldeia Barra de Gramame, em Gramame; Aldeia Nova Conquista Taquara e Aldeia Severo Bernardo, ambas em Jacumã. Cada aldeia tem um cacique. Todas elas vivenciam situações de invasões e insegurança jurídica sem a conclusão do procedimento demarcatório, além de problemas estruturais como falta de água potável. No entanto, resistem no território tradicional.

 

Cacique Ednaldo Tabajara com jovens em maloca da aldeia Vitória. Foto: Glória Santos/Cimi Regional Nordeste

Dispersão e reagrupamento

As expulsões do território tradicional levaram famílias Tabajara às periferias dos municípios do entorno, mas também a localidades mais distantes. No silenciamento imposto pela ‘extinção’ do povo decretada por leis de integração dos indígenas “à comunhão nacional”, caso da Lei 6.001 de 19 dezembro de 1973,  o grupo aguardou o contexto adequado para o retorno das famílias dispersas ao território tradicional contrariando as expectativas anti-indígenas.

Cacique Ednaldo realizou o primeiro movimento de reagrupamento do povo Tabajara, atendendo à demanda dos mais velhos. Se juntaram ao grupo outras famílias. Apesar de viverem em um assentamento rural, em Barra de Gramame, essas famílias que decidiram se juntar à iniciativa se identificavam como indígenas Tabajara, sempre referenciadas pelas histórias dos mais velhos e com práticas religiosas remetidas ao Toré e encantaria.

Ato contínuo ao reagrupamento, veio também o primeiro embate com a empresa Cerâmica Elizabeth, sobretudo após a retomada de uma pequena faixa de terra, com sete hectares, na região da Mata da Chica. Nela, as famílias lideradas por cacique Ednaldo conseguiram se estabelecer. Levantaram a Aldeia Vitória, onde estão até os dias de hoje. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apoiou o povo assessorando-o em seu dia a dia e juridicamente.

Por conta da luta pela terra, algumas lideranças foram detidas, ameaçadas e seguem perseguidas. “Nosso caso é de muita violência. Estamos no Programa de Proteção (de Defensores de Direitos Humanos), mas amos com uma orelha na frente e outra atrás vendo a hora de sermos atacados. Precisamos de defesa, de ajuda, mas estamos prontos para guerrear. Não vamos deixar nosso território. As florestas, as cabeceiras de água”, diz o cacique Carlinhos Tabajara.

 

Indígenas Tabajara da aldeia Severo

Região cobiçada

A região reivindicada pelos Tabajara é uma das mais cobiçadas da Paraíba. Está localizada no Litoral Sul, com forte apelo turístico por suas praias e rios, com matas intocadas e de caráter paradisíaco. Elementos de forte atração do setor imobiliário com seus projetos de empreendimentos no ramos de hotelaria, pousadas e resorts. Situação semelhante enfrentada pelos povos Pataxó e Tupinambá no sul e extremo sul da Bahia.

De tal maneira que os poderes públicos estadual e municipais, mesmo após o início do processo demarcatório, continuam concedendo licenças ambientais para a construção civil e demais grandes empreendimentos na área reivindicada pelos Tabajara. As invasões ao território tradicional seguem. O último caso expressivo de invasão ocorreu em novembro de 2023 pela empresa Lord Empreendimentos.

A Lord tentou se instalar na região da Mata do Graú, em Tambaba, para iniciar a construção de um resort. Os Tabajara rapidamente conseguiram expulsar os invasores a partir de ação judicial, que decretou a imediata retirada das máquinas do local. O caso segue em tramitação na Justiça Federal, envolvendo também outras situações de violações de direitos humanos, com nova audiência programada para o próximo mês de agosto.

“Hoje aquilo que mais nos preocupa envolve este resort, um grande empreendimento turístico. Tentaram a primeira vez com motosserras, no ano ado. Fomos com as lideranças das quatro aldeias e apreendemos motosserras, carros, caçambas, baldes de gasolina. A mata que eles querem derrubar é usada pelo nosso povo de forma sustentável e ritual. O nosso objetivo é mantê-la de pé, preservada”, explica o cacique Josealdo Tabajara, da aldeia Severo.

Depois de conversas com os invasores, os equipamentos, combustíveis e máquinas foram devolvidos. Seis meses depois, a presença indesejada estava de volta

“Eles voltaram com um maquinário pesado. Trator de esteira. Estamos sempre de olho na mata. Chegou a notícia de que duas dessas máquinas estavam dentro e cerca de cinco contas de terras tinham sido derrubadas. Quando aparecemos no local, havia uma empresa de segurança”, lembra.

Cacique Josealdo conta que derrubaram o acampamento, detiveram os dois tratores de esteira e “amos quatro dias e quatro noites no lugar. Não foi fácil. Estavam as mulheres, as crianças e até os idosos. Ficamos lá para não deixar que voltassem aguardando o MPF e a Funai (Fundação Nacional do Índio). Mas eles voltaram (os invasores) porque conseguiram uma autorização estadual. Derrubaram árvores e plantas que usamos como remédio, e tem os animais”, conta.

 

Na aldeia Nova Conquista, indígenas Tabajara fazem conversas periódicas para fortalecer a comunidade em suas reivindicações. Foto: Glória Santos/Cimi Regional Nordeste

Demarcação na Justiça

Em 2019, o MPF  aceita a demanda do povo Tabajara e judicializa o processo da demarcação por uma Ação Civil Pública questionando a Funai, União e Prefeitura de Conde sobre a demora da conclusão do processo demarcatório. Até agora ocorreram cinco audiências e o processo de demarcação foi retomado. Está em fase de conclusão do Relatório Circunstanciado (RCID) da Funai.

Os grupos locais com interesses privados nas terras, bem como o Poder Público, foram informados pelo Grupo de Trabalho, no último mês de março, que a área não pode ser mexida. O órgão indigenista do Estado notificou 170 propriedades que incidem na área delimitada do território para a demarcação. Ocorre que o andamento do procedimento istrativo atiça os agressores dos Tabajara.

“O Cimi vem acompanhando todo esse processo desde 2018. Por meio da assessoria jurídica regional, ingressou como Amicus Curiae na A da demarcação. Em março de 2023, a equipe avaliou que seria um bom momento para pleitear uma audiência com o arcebispo da Paraíba, Dom Manoel Delson, para que a Arquidiocese pudesse ficar inteirada da situação”, explica Glória Santos, do Cimi Regional Nordeste, que atua na equipe da Paraíba.

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