Após omissão do governo, desintrusão da TI Urubu Branco é suspensa com base em decisão de Gilmar Mendes sobre Lei do Marco Temporal 3h5dt
Para assessoria jurídica do Cimi, o uso da decisão de Gilmar Mendes sobre Lei 14.701 no caso da TI Urubu Branco é um “equívoco”; decisão favorece ocupantes de má-fé e invasores da área indígena 4x1e4o

Em outubro de 2024, queimadas iniciadas nas áreas invadidas da TI Urubu Branco se alastraram pelo território tradicional do povo Apyãwa Tapirapé. Foto: Ware’i Elber Tapirapé
Há mais de 20 anos, o processo de desintrusão da Terra Indígena (TI) Urubu Branco, do povo Apyãwa Tapirapé, localizada na região nordeste do Mato Grosso, se arrasta sem resolução na Justiça Federal. Um imbróglio judicial que deve se estender ainda mais, com a última decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) dada no dia 19 de dezembro do ano ado que suspendeu, mais uma vez, a retirada de ocupantes não-indígenas da TI.
O desembargador Flávio Jardim, relator do processo, no entanto, suspendeu não só a ordem de desintrusão da TI, mas todo o processo judicial. Para isso, tomou como base a discussão em andamento na Mesa de Conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, conhecida pelo movimento indígena como Lei do Marco Temporal.
Foi baseado nessa suspensão do ministro Gilmar Mendes que o desembargador Flávio Jardim suspendeu a desintrusão da TI Urubu Branco

Em outubro de 2024, queimadas iniciadas nas áreas invadidas da TI Urubu Branco se alastraram pelo território tradicional do povo Apyãwa Tapirapé. Foto: Ware’i Elber Tapirapé
Após sua promulgação, em dezembro de 2023, várias ações contra a constitucionalidade da Lei foram interpostas no STF. Meses depois, em abril do ano ado, Gilmar Mendes, relator das ações, criou uma Câmara de Conciliação para debatê-las, também determinando a suspensão de todas as ações que envolvem o tema.
Foi baseado nessa suspensão do ministro Gilmar Mendes que o desembargador Flávio Jardim suspendeu a desintrusão da TI Urubu Branco. “Há perfeito enquadramento do debate mantido neste processo em relação ao que será decidido pelo Supremo nas ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e ADO 86”, considerou o desembargador na decisão.
Equívoco
Para a assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no entanto, o uso da decisão de Gilmar Mendes sobre Lei 14.701 no caso da TI Urubu Branco é um “equívoco”. Primeiro, porque “não há, no caso, um debate sobre inconstitucionalidade da tese do marco temporal que seja apto a sustar o andamento do processo” com base nesta discussão, explica Rafael Modesto, advogado e assessor jurídico do Cimi.
A demanda de desintrusão da TI Urubu Branco trata da remoção de ocupantes irregulares de uma área já reconhecida como de usufruto indígena, cujo direito não se encontra no escopo de discussão da Lei. Segundo, porque a terra indígena do povo Apyãwa Tapirapé, homologada desde 1998, já é demarcada, o que torna a decisão do TRF-1 “extremamente frágil, porque a Lei 14.701/2023 não tem efeito retroativo”, avaliou Modesto.
A fragilidade da decisão se torna ainda maior quando se verifica o levantamento fundiário da TI produzido pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2022, citado no recurso interposto, em fevereiro deste ano, pelo órgão no processo contra a decisão do TRF-1.
Das 94 ocupações não-indígenas à época da demarcação, 27 anos atrás, apenas sete não foram indenizadas

Em outubro de 2024, queimadas iniciadas nas áreas invadidas da TI Urubu Branco se alastraram pelo território tradicional do povo Apyãwa Tapirapé. Foto: Ware’i Elber Tapirapé
De acordo com o levantamento fundiário da Funai, boa parte dos ocupantes de boa-fé já foram indenizados por suas benfeitorias. Das 94 ocupações não-indígenas à época da demarcação, 27 anos atrás, apenas sete não foram indenizadas. Todas as demais encontram-se regularizadas e fora da área indígena, com exceção da ocupação de duas pessoas: Ruy Pereira Artiaga, já indenizado, e Alexandre Nunes de Faria, que recusou o pagamento da indenização.
O levantamento também indicou a existência de 46 ocupações, das quais “ao menos 38 não apresentam qualquer relação com o levantamento fundiário, ou seja, são invasões”, afirma a Funai. Pode-se dizer assim que “a ocupação não-indígena na TI Urubu Branco é majoritariamente composta por pessoas desvinculadas do procedimento demarcatório da área. Na prática, a sentença [do TRF-1] beneficia ocupantes de má-fé e invasores da TI Urubu Branco”, explica o advogado do Cimi.
Morosidade
A suspensão da ordem de retirada de invasores da TI Urubu Branco ocorre após muitas e idas e vindas em um processo que deriva de uma Ação Civil Pública (A) ingressada em agosto de 2003 pela União, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Funai. A A pede a desintrusão da terra indígena do povo Apyãwa Tapirapé, que possui cerca de 184 mil hectares e que ainda se encontra fora da posse integral do povo.
A nova medida do TRF-1 mobilizou em maio deste ano a vinda de um grupo de lideranças indígenas do estado do Mato Grosso para Brasília. A delegação buscava junto a órgãos do governo, também parte do processo, reverter a ordem judicial e denunciar as consequências de novas invasões ocasionadas pela morosidade no processo.
“Vamos receber o território sem vegetação. Lá está sendo devastado pelos fazendeiros e madeireiros”
“Vamos receber o território sem vegetação. Lá está sendo devastado pelos fazendeiros e madeireiros. Estamos tendo muito prejuízo ambiental. Os produtores que plantam feijão e soja na região fazem a borrifação via aérea”, denunciou Kamoriwa’i Elber, cacique geral do povo Apyawa-Tapirapé, em reunião com a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, no dia 8 de maio.
Em incidência em Brasília, as lideranças do povo Apyãwa Tapirapé destacaram a morosidade do Estado em cumprir os prazos determinados pela Justiça. Para os indígenas, a demora da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e do Ministério da Justiça (MJ) em planejar e executar a desintrusão na terra dos Apyãwa tem dado tempo para que os fazendeiros apelem contra a decisão de proteção do território.
“A Funai tinha tudo na mão para a execução da desintrusão da TI Urubu Branco, mas demoraram muito para cumprir”

Em Brasília, povos indígenas de Mato Grosso cobram demarcações de terras e fim da Mesa de Conciliação. Foto: Maiara Dourado/Cimi
Em junho do ano ado, a Justiça da 1ª Região determinou o cumprimento provisório da sentença que ordenava a retirada de ocupantes não-indígenas da TI Urubu Branco. Seis meses depois, uma nova decisão, dada em dezembro de 2024 pelo TRF-1 veio impedir o cumprimento da ordem.
Para Kamoriwa’i Elber, “a Funai tinha tudo na mão para a execução da desintrusão da TI Urubu Branco, mas demoraram muito para cumprir. E aí, quando não se cumpre uma decisão, vem a suspensão, porque os invasores não estão parados. Eles estão sempre trabalhando para suspender essa decisão. Por isso, responsabilizamos o MPI e a Funai por essa morosidade e descumprimento da decisão judicial”, afirmou a liderança do povo Apyãwa Tapirapé.
A União, a Funai e o MPF recorreram da decisão do TRF-1, que até o momento segue em vigor.