DOF e PM entram sem autorização judicial na TI Cachoeirinha e levam tensão para o povo Terena 6n316g
Desde setembro de 2024, quando o STF suspendeu demarcação física, polícias estaduais do MS coagem, ameaçam e fazem rondas na TI do povo Terena para impedir protestos 5w6w53
Um pelotão do Departamento de Operação de Fronteira (DOF) do Mato Grosso do Sul entrou na manhã desta quarta-feira (21) na Terra Indígena (TI) Cachoeirinha, do povo Terena, município de Miranda. Sem mandado judicial, os policiais estão entre uma aldeia Terena e uma fazenda sobreposta à TI demarcada.
O episódio foi a gota d’água para os Terena, que há meses convivem com a presença ostensiva de polícias estaduais na TI, sem a apresentação de autorização judicial, mobilizadas por informações inverídicas envolvendo mobilizações indígenas de recuperação do território demarcado.
Na madrugada do último sábado (17), um boato deu conta de que os Terena estavam preparados para retomar áreas do território delimitado e levou à TI batalhões da Polícia Militar, Polícia Militar Ambiental e Polícia Militar Rural. Esses policiais seguem na TI ao lado dos agentes do DOF.
São mais de 40 fazendas e sítios sobrepostos aos 36.288 hectares garantidos aos Terena pela Portaria Declaratória publicada em 2010. Ocorre que os indígenas ocupam apenas 5 mil hectares da demarcação e vivem em situação de confinamento.
“Sem mandado judicial, os policiais estão entre uma aldeia Terena e uma fazenda sobreposta à TI demarcada”

Cansados da morosidade dos Estado em demarcar suas terras, Terena realizaram diversas retomadas nos anos 2000. Na foto, retomada da Terra Indígena Cachoeirinha, em 2013. Foto: Ruy Sposati/Cimi
Demarcação física, STF e o DOF
Por conta de decisão judicial, em 2023 a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) iniciou a demarcação física do território, logo impedida à força por fazendeiros. Em 2024 o trabalho foi retomado, mas em 12 de setembro o ministro do STF André Mendonça concedeu liminar para a Caiman Agropecuária LTDA e determinou a paralisação da demarcação física.
Os policiais militares, desde então, aram a fazer rondas ostensivas na TI, sem a apresentação de mandado judicial, como forma de sufocar possíveis manifestações e retomadas do povo. Os Terena denunciam as polícias estaduais pela constante presença nas aldeias, áreas federais, com práticas de coação, ameaças e tentativa de cooptação de indígenas.
“Como o procedimento istrativo não foi concluído, nosso povo vem se manifestando. Aqui no Mato Grosso do Sul existe uma decisão política de usar a polícia contra os indígenas. Então a falta de conclusão da demarcação e a forma como a polícia age, em especial o DOF, eleva a tensão”, diz liderança protegida pelo anonimato.
A TI Cachoeirinha está a pelo menos 220 km da fronteira mais próxima com países vizinhos. Contudo, os Terena lembram que o DOF, estranhamente, tem autorização para atuar em terras indígenas mesmo naquelas localizadas a quilômetros das fronteiras. Os indígenas sabem que tal presença nas terras indígenas acaba em violência e morte.
Ainda na manhã desta quarta, os Terena se dirigiram à estrada vicinal, local onde as polícias estaduais montaram uma barreira, para protestar contra a presença policial na TI. O DOF e a Polícia Militar, por exemplo, estão envolvidas em recentes ataques aos indígenas no Mato Grosso do Sul.
“Aqui no Mato Grosso do Sul existe uma decisão política de usar a polícia contra os indígenas”

Indígena Neri Guarani e Kaiowá morto na TI Nhanderu Marangatu em ação policial. Foto: povo Guarani Kaiowá
ADPF contra violência policial no MS
Com a violência sistemática contra os povos indígenas Guarani e Kaiowá e Terena, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou ao STF em 17 de abril de 2023 uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que distribuída ao ministro Gilmar Mendes se tornou a ADPF 1059.
A medida tem como objetivo combater a violência e as violações de direitos dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Entre as propostas, a ADPF pede que seja concedida uma medida cautelar e que a Secretaria Estadual de Segurança Pública elabore um plano de enfrentamento à violência policial.
A ADPF 1059 também propõe a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança com o devido armazenamento digital dos arquivos, além da elaboração de um plano, no prazo máximo de 90 dias, visando o controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança.
O plano deve conter medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais, protocolos públicos de abordagem policial e busca pessoal e prever a participação de lideranças das comunidades afetadas em todo o processo de elaboração do plano.
Sem a deliberação da Corte Suprema até o momento, os episódios que motivaram o ingresso da ADPF, caso do Massacre do Guapo’y, em junho de 2022, podem voltar a se repetir. Um exemplo foi o que aconteceu na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, em setembro do ano ado.
“A falta de conclusão da demarcação e a forma como a polícia age, em especial o DOF, eleva a tensão”

Imagens aéreas da TI Cachoeirinha no dia 3 de agosto de 2024, considerado o dia mais drástico das queimadas na TI este ano. Foto: Jean Carlos
Fogo na TI Cachoeirinha
Durante alguns meses do ano ado, a TI Cachoeirinha acabou devastada por uma queimada de grandes proporções.
Segundo um levantamento feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), por meio do cruzamento de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e do Sistema Nacional de Certificação de Imóveis (SNCI), ambos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), é sobre a área não regularizada, ou seja, ainda fora da posse dos Terena, que os incêndios incidiram de forma mais arrasadora.
No período mais crítico de queimadas no território, referente aos meses de julho e agosto de 2024, foram registrados pelo satélite de referência do Inpe 57 focos de incêndio na TI Cachoeirinha, dos quais mais de 90% ocorreram na área não regularizada da Terra Indígena. Isto é, 52 deles. Destes focos, a imensa maioria, 50, ocorreu em fazendas certificadas pelo Incra sobre a TI, registrados em seis propriedades sobrepostas a ela.
Hoje, existem 47 propriedades certificadas pelo Incra em sobreposição à área não regularizada da TI Cachoeirinha. Essas propriedades cobrem 29,4 mil dos 36,3 mil hectares da TI, o equivalente a 87,6% de sua área.
Lista de violência e assassinatos da polícia em TI’s no MS
O assassinato de Oziel Terena, em despejo realizado contra a TI Buriti, em 2013, conforme levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Reginal MS, inaugura um novo período do uso de forças de segurança, de forma ilegal, em defesa da propriedade privada.
Nos últimos cinco anos foram pelo menos dez ações similares. Em 2019, por exemplo, a Prefeitura de Aquidauana liberou a utilização de ônibus escolares e estrutura pública para instrumentalizar a Polícia Militar numa ação violenta e sem base legal contra famílias do povo Kinikinau.
Já em 2022, Laranjeira Nhanderu sofreu o primeiro dos golpes ilegais. De lá para cá, a situação escalou, tendo seu pior momento nas cenas de terror que marcaram o Massacre de Guapoy.
Em um breve esboço, o Cimi Regional MS lista as seguintes ações ilegais da PM contra comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul:
2018 – Ação de revista policial, sem ordem judicial, contra casas e famílias Kaiowá da comunidade Nhandeva, em Caarapó, seguido de prisão arbitrária de liderança;
2018 – Ação ilegal da PM, com helicóptero, que resultou em conflito e prisão do indígena Ambrósio, senhor portador de necessidades especiais no território de Guapo’y, em Caarapó;
2019 – Ação ilegal da PM, sem ordem de reintegração de posse expedida pela Justiça, na qual o então prefeito de Aquidauana utilizou estrutura pública – inclusive ônibus escolares – para despejar à força famílias do povo Kinikinau;
2022 – Ação de despejo ilegal, sem autorização judicial, protagonizado pela PM contra famílias de Laranjeira Nhanderu, em fevereiro, no município de Rio Brilhante;
2018 a 2022 – Série de ações contra os indígenas da Reserva de Dourados, que foram desde ataques massivos (com bombas que chegaram a fazer uma criança perder os dedos de uma mão) chegando à escolta policial para que sitiantes utilizassem veneno em monoculturas lindeiras aos barracos dos acampamentos indígenas Kaiowá junto à Reserva de Dourados;
2022 – Massacre protagonizado pela PM, no caso que ficou conhecido como Massacre de Guapo’y, em Amambai;
2022 – Primeiros ataques ilegais de forças de segurança contra o acampamento Kaiowá de Kurupi, em Naviraí;
2023 – Segundo despejo ilegal, sem autorização juidical, contra famílias de Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante;
2023 – Último ataque de policiais ao Kurupi, em Naviraí, sem respaldo judicial;
2023 – Em 8 de abril, dez indígenas dos povos Guarani, Kaiowá e Terena foram presos no município de Dourados durante a retomada de parte do território ancestral tekoha Yvu Vera;
2024 – Atirador da Polícia Militar atinge a cabeça e mata o jovem Neri Guarani e Kaiowá, na TI Nhanderu Marangatu, no dia 18 de setembro.